domingo, 18 de novembro de 2012

SAUDADES DESTE TEMPO...

Fico a relembrar por muitas vezes e sinto saudades das pessoas que durante anos trabalhavam em nossas casas durante tantos anos. Da amizade, lealdade e respeito que existiam nesta convivência. Seres que dedicavam anos de suas vidas em nossas companhias que cuidavam de nós como, ou melhor, que nossas verdadeiras mães, com carinho e extremado amor. Questiono-me às vezes, que mundo moderno é este onde as relações são tão “liquidas”, sem envolvimento e compromisso, onde disponibilidade e tolerância não existem.
 
Lembro-me da minha babá que me punha na rede a cantarolar músicas jamais esquecidas por mim, a pentear meu enorme cabelo cheios de cachos todas as manhãs, calma e amorosamente, com uma paciência e ternura inesquecíveis. Das guloseimas, biscoitos de nata e maravilha coberto em alvo guardanapo servido com suco de jabuticaba, nas tardes ensolaradas e escaldantes do verão nordestino; quanta delicadeza imprimia aquela mulher em gestos suaves e delicados, que me fez acreditar em um mundo possível de trocas amorosas.
 Acho que estou fora de moda, pois acredito que a perda deixa um vazio, e quando crescemos e nos tornamos adultos são as recordações, as saudades destas pessoas que as tornam encantadas, pois são elas que nos fornecem o colorido das nossas florescências infantis, acalmam e enriquecem nossas vidas. Podermos ir lá sempre que quisermos, neste mundo particular e maravilhoso.  As histórias que vivenciamos enriquecem a vida e quando estamos tristes e angustiados podemos recorrer a estes momentos, porquanto eles têm o poder de modificar o dia a dia, de transformar as nossas angustias e medos em canções e filmes a relembrar. Só assim, os desafios das nossas vidas perdem o poder de nos incomodar tanto, ficam mais amenos e fáceis de suportar. E nossas crianças que moram dentro de nós passarão a possuir um rico material para sobreviver neste mundão de meu Deus, principalmente, aquelas em que o medo da solidão se faz presente.


Socorro do Prado






sábado, 3 de novembro de 2012

CRIANÇA CIRCENSE




Acompanhada fisicamente de bela jovem chamada Miúda, Gata Elétrica animadamente se arrumava para empreender a sua jornada circense. Seu coração batia descompassadamente diante a possibilidade de rever as aventuras até então guardadas na sua imaginação infantil. Durante algumas décadas decorridas ao longo dos dias que se arrastavam por vezes vagarosamente ou quem sabe, velozmente, mantinha numa caixa de laço de fita colorido as fantasias inimagináveis por ela vivida na sua cidade natal, onde percorria os arredores, cercada de uma vegetação seca e tórrida, do sol causticante das tardes e noitinhas dos dias de outono.

O circo forrado de uma lona plástica azul e amarela, já gasta pelo tempo, conversava as impressões primeiras com sua bandeirinha no centro a balançar pelo vento nos finais do dia.  Logo na entrada principal, o circo reluzia brilhante, com luzes de cores variadas, pisca-piscas e palhaços com alto falantes a clamar pelo povo - faziam os anúncios das atrações diárias - mulher no arame, palhaços de perna de pau, rumbeiras espanholas, homens dos pratos, mulher sapo e o mais atraente de tudo, o trapézio - o voo mortal, onde o trapezista se lançava daquele balanço de olhos vendados, na entrega e confiança total ao outro, que o segurava do lado de lá, era uma travessia às escuras! A música acompanhava o movimento, suspense, respiração pausada, lembrava a dos filmes de Alfred Hitchcock. Um erro fatal, sem proteção, estava fadado à tragédia, mas mesmo assim entre risos e inseguranças, realizava-se a concretização real das fantasias.  Um ambiente descrito só nos contos de fadas! Tecidos luminosos, acolchoados, macios, de sedas árabes, em combinações floridas, com músicas alegres e saltitantes, palhaços, vendedores de pipocas, sorvetes e alfenas, numa zoeira de zabumbas, e assim eram os rostos do que ali se encontravam, reluzia o mistério inusitado dos castelos medievais.

Seus pés encontravam-se a um metro acima do chão, volitava diante do inesperado ambiente circense. Sentada em frente ao picadeiro, mantinha seus olhos fixos e a respiração compassada presa a cada cena que se seguia associada as suas experiências anteriores. Rever o palhaço, dar risadas infantis, saborear o algodão doce, libertava-a das suas prisões infantis e possibilitavam o ressurgimento da sua criança presa e amedrontada diante os desafios que a vida se lhe impusera. O trapézio era a própria liberdade, a soltura dos movimentos leves e confiantes que a trapezista imprimia no risco e coragem de voar causava aos expectadores infantis, a possibilidade de avançar, confiar e recriar. As mágicas traziam de volta o mistério, a magia e o inexplicável, a própria impotência diante de fatos da vida.

Ao final do espetáculo segurando seu chinelinho entre as mãos, retornava sonolenta para casa, mas levava o doce sabor entre os lábios e a certeza por dias melhores em seu coração. Ia dormir, quem sabe sonhando poderia reviver os momentos vividos na experiência circense, já que para Gata Elétrica era tão raro estes momentos no seu cotidiano. Mas apesar de tudo conservava a esperança como o motor de impulsionamento da vida, isto a fazia sorrir, imaginar e sonhar! E sua vida ia se permeando de matizes multicoloridas e facetas ornamentadas de desafios desenhadas ao nascer de cada dia, imprimindo-lhe a certeza que a vida vale a pena sempre ser vivida como a maior dádiva que nos é concedida pelo Criador.

Socorro do Prado

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

E A MORTE...





Em virtude de ser um assunto muito pouco abordado nas academias, evitado nas conversas informais e ser tão importante para a reflexão do ser humano - quem sabe, porque é ainda muito velado por todos, pois o medo da morte nada mais é do que o medo do novo, do desconhecido e do inesperado, em última instância o próprio medo da vida, resolvi refletir um pouco sobre ele.
A leitura das obras sobre a morte tratada em  Sobre o Viver e o Morrer  de Deborah Duda,  A morte à luz da Psicologia de Aniela Jaffé,  Memórias Sonhos e Reflexões  de Jung , Sobre a Morte e o Morre  de Elisabeth Kübler-Ross, O Problema do ser, do destino e da dor  de Leon Denis  e  A morte sem medo e sem culpa de Trigueirinho, nos propicia um novo sentir e compreender sobre este tema tão temido por nós.  Revoluciona a nossa mente consciente nos privilegiando com ensinamentos e conclusões belíssimas, que nos conduz a um patamar de novos entendimentos diante da vida.
É bela e consoladora a certeza da infinitude da vida; e ela pode ser vivida de uma forma mais otimista e confiante. Esta é, pois, uma reforma de um arcabouço teórico maleável e incognoscível. A consciência mais ampliada nos colocará em lugar de um grande rio, aberto às grandes e pequenas correntezas em busca de um caminho de novos campos de saberes e descobertas.
Quando pudermos, como observadores, fazer uma analogia, admirar o crepúsculo, onde o anoitecer nos acomete, nos toma de uma infinita tristeza, pensamos no novo dia que nascerá em breve; nos consolamos com o pensamento das florescências futuras, assim deveria ser com o medo da morte, um ato que de fato não é o fim. 
Logo, cada uma das nossas existências será permeada de experiências, que irão desaparecer ao longo do curso, para dar lugar a novas vidas no Espaço, em mundos mais perfeitos que os vividos anteriormente. O morrer torna-se, pois, a porta de entrada de um mundo mais rico de impressões e sensações.
Por isso, precisamos encarar a morte face a face e nos prepararmos para este acontecimento natural e necessário para o curso de nossas vidas, pois ela representa um papel importante na nossa evolução.
Este pensamento contribui para que tenhamos confiança em outra vida, e isso nos estimulará aos nossos esforços, para tornar nossas atitudes mais fecundas. Dissipa o nosso medo pelo mundo desconhecido e retira de nós a cruel incerteza e o temor que a ela atribuem.

Mesmo presa eu me mexo, pois imagino que os movimentos acabam por me libertar
SOCORRO DO PRADO




terça-feira, 4 de setembro de 2012

RITUAL



À tardinha, a procissão seguia vagorasamente. Todos se mantinham calados e concentrados, conversavam  consigo mesmos numa oração entoada pelo entardecer e pelos sons melancólicos e frios do vento entrecortante. Os pássaros em revoada sacudiam as asas anunciando o recolher. Em fila, um atrás do outro, seguiam calmamente morro acima; carregavam em suas mãos uma lanterninha, das antigas, feita de papel de seda, sustentada em varinhas de madeira, com uma vela no centro, a iluminar o caminho. Lembrava-me as procissões do dia vinte sete, que mensalmente, eu assistia e participava em minha terra natal - era em homenagem a Nossa Senhora das Graças.

Hoje quarenta anos depois, com os cabelos em fios ligeiramente embranquecidos e pele levemente enrugadinha, revivo lenta e deliciosamente as minhas lembranças de infância interiorana. Contudo, ainda conservo um leve sorriso nos lábios entreabertos a solver as recordações e fantasias vividas naquele lugar e a esperança por dias melhores no meu coração. 

Os participantes estavam indiscutivelmente unidos e conectados num só objetivo: superar o desafio da subida ao morro do Cristal em voltas que se arrastam em espiral,  a fim de chegar ao cume, onde se encontrava um belo campanário a entoar as batidas do pôr do sol, mesclados das cores do arco-íris de um dia além ensolarado.  Não será assim a nossa vida?

Após a delonga e arrastada caminhada orante, chega-se finalmente ao final da trilha. Sentados ao redor de um altar em flores, com perfume de jasmim e rosas, sons doces e suaves, acalmavam os ansiosos corações que batiam aceleradamente pelo esforço e a emoção diante da possibilidade de ver MARIA.

 Num dado momento das preces silenciosas,  um jovem rapaz uruguaio levanta e diz: Ai,  está ela! A virgem vestida em trajes longos embranquecidos, de pele escurecida – é a virgem de Guadalupe, que se apresenta aos seus filhos num aspecto de ternura, só presente nas experiências maternais. 

Os presentes com olhos espantados também tentam inutilmente e fidedignamente avistar a virgem, porém só a ele é dado este dom – da fé, da clarividência e do sentido. Os semblantes denotam uma intensa expressão de bondade e amorosidade tão pouco ou nunca visto por mim. Suavidade e leveza permeava o ambiente intensamente. Em coro rezavam a oração do PAI, em agradecimento a presença maternal e protetora da MÃE.


No retorno as suas casas, após advento conservam ainda, nos seus olhos o brilho do ritual. Eu, no pensar refletido diante a tudo que assisti me indago: Realidade ou Fantasia? Não importa! O que vale mesmo é a experiência vivida e a recordação integrada na minha tão carente alma de momentos tão ricos e belos, onde se faz presente a nossa humanidade revivida em irmandade cósmica. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

MEMÓRIAS



                               

Hoje a noite fagueira
Passeia derradeira e morta
Entre campos verdejantes e floridos
No passado enaltecido de ternura
De lembrança inacreditável 
Que reside fronteiras  eternas e visitáveis
Na  criação juvenil e caduca
Do tardio e alegre poeta
Que dorme na calma
A espera da liberdade ventura
Do entardecer esperado
Pra enfim florescer

Socorro Prado




domingo, 25 de março de 2012

Espetinho de Ferro


Parado ali diante de si, avistava um amontoado de pedaços de ferro jogados descuidadosamente em um canto qualquer do terreiro. Olhou e pensou - porque não construir um espetinho de ferro... Ele será útil, poderá dourar as carnes nos longos churrasco de domingo, num ambiente de alegria, gargalhadas, onde o amor permeia sorrateiramente. Ele poderá ouvir e assistir às conversas, as maledicências corriqueiras, as trocas de afetos, as risadas, discussões e brigas, abraços, gargalhadas e beijos, e fará o seu serviço amorosamente em todos os encontros churrasqueiros, pensava ele. Na sua mente a cena se formava.

Assim foi, o velho ferreiro, começou a laboriosamente confeccionar vários e vários espetinhos. Mas, o primeiro deles, ele o destacou de alguma forma, a sua marca pessoal, no retorço do término. À medida que ia construindo os espetinhos, a sua tristeza ia se aquietando, era preenchida pela sensação de completude. E por ai foi. Após vários e vários dias os espetinhos estavam prontos. Agora era necessário construir uma abóboda onde seriam colocadas as brasas em fogo, com um carvão escolhido de transformação ascendente, onde os alimentos carnes e frutas, os mais diversos tipos, conforme o apetite dos participantes, fossem transformados. Ele pacientemente aceitaria. Os alimentos seriam transformados em deliciosos churrascos tostados, mais assados, mais crus, mais doces, com mel, adocicados, azedos, ácidos, com frutas, nas mais intrigantes e belas criações, alimentando o paladar de todos.

E assim ele o fez. Confeccionou calmante o seu instrumento de vida. Passeou, ofereceu seu serviço, degrau por degrau, um dia após o outro.

O mesmo, ao decorrer do tempo, foi acatado por um grande fabricante que o divulgou e o popularizou através dos tempos, para servir nas churrascadas da vida, nos mais recônditos e variáveis lugares deste planeta. Lá estava o espetinho de ferro cumprindo a sua função, sobre os fortes calores, das chamas em brasas nos corações humanos. Ele calmante se disponibilizava em receber os mais variadas e belas escolhas dos alimentos que se achegavam, inimagináveis combinações. Sorria a cada suspiro, reclamação e gemido, dos que saboreavam as carnes lambuzadas de mel e fel em bocas recheadas de saliva e prazer. Por vezes e vezes também pairava no ar e sentia. Assim foi ele construindo e seguindo a sua designação ao longo da sua vida útil.

Um belo dia de chuva, numa verde campina florida, de trovoada onde os raios desenhavam no ar, já desgastado pelas chamas e calor, partiu-se ao meio, foi colocado novamente num canto qualquer.

Uma criança, brincando de esconde-esconde, que por ali passava, o viu. Pegou em pedaços, olhou, o recolheu e disse: - belo espetinho de ferro, velhinho, desgastado pelo tempo, mas eu o levarei, o derreterei no calor das chamas, o esfriarei e o transformarei em uma bola, sim numa bola de ferro, que percorrerá o campo das brincadeiras infantis, fará parte das alegrias das crianças, onde ele também poderá fazer parte dos sorrisos e da leveza, da maldade e perversidades das mesmas, ao brincar alegremente no campinho aberto e ilimitado das imaginações infantis, por toda e toda a eternidade a fim.

Socorro Prado

segunda-feira, 19 de março de 2012

Por onde andará meu Professor...


Hoje procuro alguém que me faça recordar do meu velho professor de Francês; chamava-se Aurélio. Aquele que me passava os ideais de amor e dedicação aos estudos – o meu mestre. Que me ensinou que estudar é abrir os caminhos do sucesso e da auto-realização. Que através da leitura seria possível percorrer uma trajetória que me levaria a conhecer um mundo até então nunca por mim desbravado, um mundo meu, rico de colorido e aventuras. Que devolvia a beleza e a esperança pela vida. Que imprimia propostas de união, respeito e amor aos nossos colegas. Que transmitia o carinho e a tolerância para com nossos pais, e principalmente a atenção aos seus cabelos brancos – marcas da sabedoria e de experiências tão ricas. Por onde andará o meu professor que me ensinou a acreditar no mundo, na bondade das pessoas, na fidelidade, na possibilidade da troca, na lealdade, no amor e na ética. Que contagiava minha mente com viagens em volta do mundo, e enriquecia a minha rotina com textos de jornais e histórias escritas de próprio punho, incentivando-me a buscar o conhecimento como alimento da alma. Que me fez senhora da minha vida, que me ensinou a buscar e acreditar nos meus sonhos e na possibilidade de realizá-los. Passou-me isto não através dos livros, mas do seu próprio exemplo, na eloquência de suas palavras e na emoção impressa em sua voz quando lecionava e dividia a sua opinião cheia de entusiasmo e respeito pela vida. Por onde andará o meu professor que me ensinou a ter um ideal de um mundo justo, sem fronteiras, onde as diferenças sociais e econômicas, raciais e religiosas nada – ou quase nada – representavam diante da riqueza das descobertas. Onde estará o meu ídolo, que fez com que eu acreditasse que seria possível trilhar um caminho de dedicação ao estudo, da valorização da leitura, da arte, da música e do teatro. Sabe, por vezes imagino: Que pena! Talvez tenha ele se perdido neste emaranhado de apelos atuais, nas dificuldades planetárias, nestes novos desafios. Contudo jamais morrerá. Para mim estará sempre vivo e presente nas minhas melhores recordações da juventude. Mas o quero de volta, quero vê-lo em outros mestres, para que meus filhos e netos, jovens e adolescentes possam também conhecê-lo, e assim aprendam com ele que, independentemente de qualquer condição, é possível lutar e realizar as nossas metas, e que o conhecimento nos levará inevitavelmente a isso. Que dele possam aprender a valorizar o estudo e o amor, e que sejam orientados a respeitar o ambiente escolar, seus mestres e seus livros, não desistindo jamais de seguir adiante, ainda que tudo conspire contra eles. Para que devolva os valores perdidos e resgate a esperança de que ainda é possível viver, sobreviver e ser feliz, apesar de este mundo apresentar-se tão conturbado de violência, solidão e doenças. Basta apenas que acreditemos e tenhamos em nossas lembranças um professor como este, que nos ensina que a vida vale a pena ser vivida sempre, apesar das adversidades.
Socorro Prado

domingo, 11 de março de 2012

Onde está Deus?


Esta é uma pergunta que sempre me fiz. Quem é este personagem e onde se encontra? Assim me refiro porque a minha mente pouca evoluída ainda necessita de algo concreto para nominar. Busquei na religião, nas leituras, em todos os caminhos que tive acesso e que se achegaram a mim. A explicação de que era um ser onisciente, onipotente, onipresente..., por vezes, quando criança invadia-me; sentia-me vigiada continuamente pelo este ser observador que ficava o tempo todo, onde estivesse, olhando, e sabendo de tudo..., e inúmeras vezes, perseguida. Fui crescendo e continuei caminhando, o modo de caminhar foi mudando, mas o caminho era o mesmo – veja como também eu o perseguia! As definições da religião não deram respostas que me satisfizessem; a Filosofia, Sociologia e a Psicologia, também não, tampouco outra ciência; mas em compensação, apresentavam alternativas para que pudesse continuar debruçando-me nas análises, para que ampliasse e vivenciasse o processo continuo de busca.

Até que, finalmente, o percebo, na plumagem multicolorida dos pássaros, na água que escorre sem molhá-los durante a chuva, na flor se entreabrindo- no mágico momento em que ela se abre por inteira, no perfume que exala das plantas, na suavidade da música, nas artes, na brisa de tardinha, no orvalho, no nascimento, no barulho das ondas, nas pessoas humanas indistintamente de classe, de luxo, de cor - livre de qualquer padrão estabelecido por nós - numa criança quando aprende a andar, na mãe que embala e canta, nas brincadeiras infantis, nos risos, na construção do joão de barro, na borboleta que voa em círculo, no bando de aves desenhando o ar, na ave que espalita os dentes do jacaré, no beija-flor parado no ar, no leão quando ataca à presa, na aranha que tecesse, no amigo que se condói que ama que ajuda que tem compaixão. Está presente, inexoravelmente, na sua mais bela criação que é o Ser Humano, indiscutivelmente a mais bela de todas, PORQUE DEUS É BELEZA, e ela esta presente em tudo.

Mas, ainda assim, a percepção evolui, poderei me surpreender diante de novas possibilidades e incertezas, construir novas visões, pois hoje o percebo através da minha própria realidade; não se tem a possibilidade de se chegar a um limite consciente, ponderável; os véus continuaram, até que eu alcance novos vôos. E assim, permaneço neste intrigante caminho, de inquietação inalterada, em busca do desconhecido refletido em mim mesma.

Socorro Prado


sábado, 10 de março de 2012

O badalar da Ave-Maria



Frente à imensidão do cair da tarde, a Baia de Todos os Santos se descortinava em um cenário nunca repetitivo aos olhares embebecidos dos que se debruçavam a mergulhar sobre si mesmo, numa conversa inadiável diante daquela contemplação. O mar de cor índigo, em estado de completo silêncio, imóvel, se propunha a ouvir o comunicar dos corações dos que ali se rendia ante sua beleza inusitada de verão. A densa vegetação praiana de um verde musgo circundava a paisagem, ornava num ritual de festa a comemorar mais um final de dia; o pôr do sol que decaia lentamente por entre as nuvens, ao tocar o horizonte, anunciava o término de mais um dia nossa existência terrena. A natureza aquietava-se numa integração harmoniosa e silenciosa.

Casais a bebericar gelados refrescos, risos e conversas, celulares, bate-papos amigos e troca de amores, todos a usufruir aquele espetáculo natural e divino, onde a branca igrejinha de Sto. Antônio, no alto do morro, consentia com a sua presença paroquial a confirmação dos encontros amorosos em juras de amor eternos. Todos se sentiam pequeninos diante da natureza que se apresentava gratuita e humildemente a todos que ali se achegavam.

Seis horas! Os corações se aquietam, respiração pausada, ouvidos atentos e conversas cerceadas - todos escutam calma e amorosamente o badalar rítmico dos sinos da catedral a tocar a ave-maria, numa beleza inconfundível de sons combinados, aquietando nossa alma e fazendo-nos lembrar da existência de Deus!

Momentos em que se comemora a vida, e que emocionados nos dirigimos à divindade em oração de agradecimento pelos olhos que nos permite vê tamanha beleza, pelos nossos pés que nos levaram até ali, pelas nossas mãos que tocam e acariciam, pelo alimento que deliciamos em comunhão, pelos ouvidos que nos permite escutar a vibração dos sons, a sensibilidade de perceber o que nos cerca, o perfume que nos envolve e o sentir e vibrar do nosso corpo e psiquismo - esta maravilhosa engenhosidade até então, tão desconhecida e muito ainda, a ser explorada pelos humanos.

É a vida que pulsa, que relembra o até então vivenciamos, recheada de experiências que nos prepararam a escalar os degraus do nosso cotidiano.

Nada a dizer, diante do que é visto, o estado de mudez é a própria oração, tamanha a nossa insignificância e impotência ante a Criação. Só nos resta agradecer pela vida e pela a bela e infinita bondade do Criador que nos proporciona tamanho presente, ao abrir clareiras diárias na passagem onde floresce a reflexão, o crescimento e o caminho.

Socorro Prado

sexta-feira, 9 de março de 2012

Cinderela no Sambódromo


Seus olhos verdes, vivos, brilhantes e arregalados mantinham-se fixos, imóveis diante da beleza que escorria ritmicamente ao som da bateria da escola de samba beija-flor. O coração batia acelerado aos compassos dos tambores e instrumentos que entoavam uma canção que mais pareciam uma oração em celebração à vida. Nos seus pensamentos desfilava como em câmara lenta as passagens de sua vida, analogamente como as alas da escola de samba. As cores, luzes, brilho, alegorias, manejos e danças de rara beleza e a criatividade lhe possibilitava dar um novo colorido a sua história, enriquecida agora de sons e adereços, pela magia do entoar do batuque da bateria acompanhado ao canto das pessoas. A cada escola que plainava na avenida, mais um episódio de sua vida derretia-se em lembranças e recordações, um passado e rico filme que ela adornava com a sua recriação e fantasia, como se a criar para cada uma delas um novo enredo enxertado naquela multidão a bailar e cantar como uma grande opera oportuna.

Lembrava-se de suas vivencias interioranas, do seu teatro em cima do balcão da torrefação, em cortinas de lençol, presas em fios de arame, fantasias de palhas e cetins floridos, adornados com flores do campo e perfumes lavanda. Das danças do circo, do tablado, que tantas vezes a representava em suas brincadeiras infantis, da mulher rumbeira, que trazia sob as nádegas um enorme babado que se arrastava ao chão comparado ao movimento dos repteis, na sua flexibilidade e leveza. Dos desfiles de sete de setembro, dia da bandeira, da baliza que bailava ao som da bandinha; do circo de Gozobinha que a deixa entusiasmada frente ao trapézio, fazendo-a voar; da alvorada, que a bandinha colegial, entoava na madrugada anunciando um dia festa; do teatro da escola onde assistia às peças ali representadas pelos estudantes e dos seus ensaios dominicais. Na sua mente também ocorrida um grande desfile, o seu espetáculo interior, calmamente revivenciado.

Seus pensamentos volitavam, suas recordações revividas! Quem poderia previr que um dia aquela menina pudesse estar diante de um dos maiores espetáculos da Terra, onde a criatividade emociona, contagia, o calor do povo inebria e a musica aquece os corações adormecidos pelas dores antigas, mas que revivem as lembranças de alegria e amor pela vida vivida. Que fantástico é poder ver e sentir a capacidade criativa do ser humano. É indiscutivelmente, notadamente ilimitada!!! Imprevisível e surpreendente. A cada escola que se desenrolava a sua frente, era como viver um grande espetáculo, onde o entusiasmo se fazia presente em todas as cenas, numa loucura embriagante. Assim, era transportada a lugares até então nunca visitados por nós, há um mundo de fantasia, ficção e cor, imersos no absurdo!

Que grande revelação!!! Os contos de fadas existem..., basta que acredite neles, reinvente e viva-os... Se presenteie!!!

Socorro Prado