Acompanhada fisicamente de bela jovem chamada
Miúda, Gata Elétrica animadamente se arrumava para empreender a sua jornada
circense. Seu coração batia descompassadamente diante a possibilidade de rever
as aventuras até então guardadas na sua imaginação infantil. Durante algumas
décadas decorridas ao longo dos dias que se arrastavam por vezes vagarosamente
ou quem sabe, velozmente, mantinha numa caixa de laço de fita colorido as
fantasias inimagináveis por ela vivida na sua cidade natal, onde percorria os
arredores, cercada de uma vegetação seca e tórrida, do sol causticante das tardes
e noitinhas dos dias de outono.
O circo forrado de uma lona plástica azul e
amarela, já gasta pelo tempo, conversava as impressões primeiras com sua
bandeirinha no centro a balançar pelo vento nos finais do dia. Logo na entrada principal, o circo reluzia
brilhante, com luzes de cores variadas, pisca-piscas e palhaços com alto
falantes a clamar pelo povo - faziam os anúncios das atrações diárias - mulher
no arame, palhaços de perna de pau, rumbeiras espanholas, homens dos pratos, mulher
sapo e o mais atraente de tudo, o trapézio - o voo mortal, onde o trapezista se
lançava daquele balanço de olhos vendados, na entrega e confiança total ao
outro, que o segurava do lado de lá, era uma travessia às escuras! A música
acompanhava o movimento, suspense, respiração pausada, lembrava a dos filmes de
Alfred Hitchcock. Um erro fatal, sem proteção, estava fadado à tragédia, mas
mesmo assim entre risos e inseguranças, realizava-se a concretização real das
fantasias. Um ambiente descrito só nos
contos de fadas! Tecidos luminosos, acolchoados, macios, de sedas árabes, em
combinações floridas, com músicas alegres e saltitantes, palhaços, vendedores
de pipocas, sorvetes e alfenas, numa zoeira de zabumbas, e assim eram os rostos
do que ali se encontravam, reluzia o mistério inusitado dos castelos medievais.
Seus pés encontravam-se a um metro acima do
chão, volitava diante do inesperado ambiente circense. Sentada em frente ao
picadeiro, mantinha seus olhos fixos e a respiração compassada presa a cada
cena que se seguia associada as suas experiências anteriores. Rever o palhaço,
dar risadas infantis, saborear o algodão doce, libertava-a das suas prisões
infantis e possibilitavam o ressurgimento da sua criança presa e amedrontada
diante os desafios que a vida se lhe impusera. O trapézio era a própria
liberdade, a soltura dos movimentos leves e confiantes que a trapezista
imprimia no risco e coragem de voar causava aos expectadores infantis, a
possibilidade de avançar, confiar e recriar. As mágicas traziam de volta o
mistério, a magia e o inexplicável, a própria impotência diante de fatos da
vida.
Ao final do espetáculo segurando seu
chinelinho entre as mãos, retornava sonolenta para casa, mas levava o doce sabor
entre os lábios e a certeza por dias melhores em seu coração. Ia dormir, quem
sabe sonhando poderia reviver os momentos vividos na experiência circense, já
que para Gata Elétrica era tão raro estes momentos no seu cotidiano. Mas apesar
de tudo conservava a esperança como o motor de impulsionamento da vida, isto a
fazia sorrir, imaginar e sonhar! E sua vida ia se permeando de matizes
multicoloridas e facetas ornamentadas de desafios desenhadas ao nascer de cada
dia, imprimindo-lhe a certeza que a vida vale a pena sempre ser vivida como a
maior dádiva que nos é concedida pelo Criador.
Socorro do Prado
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