quarta-feira, 5 de setembro de 2012

E A MORTE...





Em virtude de ser um assunto muito pouco abordado nas academias, evitado nas conversas informais e ser tão importante para a reflexão do ser humano - quem sabe, porque é ainda muito velado por todos, pois o medo da morte nada mais é do que o medo do novo, do desconhecido e do inesperado, em última instância o próprio medo da vida, resolvi refletir um pouco sobre ele.
A leitura das obras sobre a morte tratada em  Sobre o Viver e o Morrer  de Deborah Duda,  A morte à luz da Psicologia de Aniela Jaffé,  Memórias Sonhos e Reflexões  de Jung , Sobre a Morte e o Morre  de Elisabeth Kübler-Ross, O Problema do ser, do destino e da dor  de Leon Denis  e  A morte sem medo e sem culpa de Trigueirinho, nos propicia um novo sentir e compreender sobre este tema tão temido por nós.  Revoluciona a nossa mente consciente nos privilegiando com ensinamentos e conclusões belíssimas, que nos conduz a um patamar de novos entendimentos diante da vida.
É bela e consoladora a certeza da infinitude da vida; e ela pode ser vivida de uma forma mais otimista e confiante. Esta é, pois, uma reforma de um arcabouço teórico maleável e incognoscível. A consciência mais ampliada nos colocará em lugar de um grande rio, aberto às grandes e pequenas correntezas em busca de um caminho de novos campos de saberes e descobertas.
Quando pudermos, como observadores, fazer uma analogia, admirar o crepúsculo, onde o anoitecer nos acomete, nos toma de uma infinita tristeza, pensamos no novo dia que nascerá em breve; nos consolamos com o pensamento das florescências futuras, assim deveria ser com o medo da morte, um ato que de fato não é o fim. 
Logo, cada uma das nossas existências será permeada de experiências, que irão desaparecer ao longo do curso, para dar lugar a novas vidas no Espaço, em mundos mais perfeitos que os vividos anteriormente. O morrer torna-se, pois, a porta de entrada de um mundo mais rico de impressões e sensações.
Por isso, precisamos encarar a morte face a face e nos prepararmos para este acontecimento natural e necessário para o curso de nossas vidas, pois ela representa um papel importante na nossa evolução.
Este pensamento contribui para que tenhamos confiança em outra vida, e isso nos estimulará aos nossos esforços, para tornar nossas atitudes mais fecundas. Dissipa o nosso medo pelo mundo desconhecido e retira de nós a cruel incerteza e o temor que a ela atribuem.

Mesmo presa eu me mexo, pois imagino que os movimentos acabam por me libertar
SOCORRO DO PRADO




terça-feira, 4 de setembro de 2012

RITUAL



À tardinha, a procissão seguia vagorasamente. Todos se mantinham calados e concentrados, conversavam  consigo mesmos numa oração entoada pelo entardecer e pelos sons melancólicos e frios do vento entrecortante. Os pássaros em revoada sacudiam as asas anunciando o recolher. Em fila, um atrás do outro, seguiam calmamente morro acima; carregavam em suas mãos uma lanterninha, das antigas, feita de papel de seda, sustentada em varinhas de madeira, com uma vela no centro, a iluminar o caminho. Lembrava-me as procissões do dia vinte sete, que mensalmente, eu assistia e participava em minha terra natal - era em homenagem a Nossa Senhora das Graças.

Hoje quarenta anos depois, com os cabelos em fios ligeiramente embranquecidos e pele levemente enrugadinha, revivo lenta e deliciosamente as minhas lembranças de infância interiorana. Contudo, ainda conservo um leve sorriso nos lábios entreabertos a solver as recordações e fantasias vividas naquele lugar e a esperança por dias melhores no meu coração. 

Os participantes estavam indiscutivelmente unidos e conectados num só objetivo: superar o desafio da subida ao morro do Cristal em voltas que se arrastam em espiral,  a fim de chegar ao cume, onde se encontrava um belo campanário a entoar as batidas do pôr do sol, mesclados das cores do arco-íris de um dia além ensolarado.  Não será assim a nossa vida?

Após a delonga e arrastada caminhada orante, chega-se finalmente ao final da trilha. Sentados ao redor de um altar em flores, com perfume de jasmim e rosas, sons doces e suaves, acalmavam os ansiosos corações que batiam aceleradamente pelo esforço e a emoção diante da possibilidade de ver MARIA.

 Num dado momento das preces silenciosas,  um jovem rapaz uruguaio levanta e diz: Ai,  está ela! A virgem vestida em trajes longos embranquecidos, de pele escurecida – é a virgem de Guadalupe, que se apresenta aos seus filhos num aspecto de ternura, só presente nas experiências maternais. 

Os presentes com olhos espantados também tentam inutilmente e fidedignamente avistar a virgem, porém só a ele é dado este dom – da fé, da clarividência e do sentido. Os semblantes denotam uma intensa expressão de bondade e amorosidade tão pouco ou nunca visto por mim. Suavidade e leveza permeava o ambiente intensamente. Em coro rezavam a oração do PAI, em agradecimento a presença maternal e protetora da MÃE.


No retorno as suas casas, após advento conservam ainda, nos seus olhos o brilho do ritual. Eu, no pensar refletido diante a tudo que assisti me indago: Realidade ou Fantasia? Não importa! O que vale mesmo é a experiência vivida e a recordação integrada na minha tão carente alma de momentos tão ricos e belos, onde se faz presente a nossa humanidade revivida em irmandade cósmica.