domingo, 18 de novembro de 2012

SAUDADES DESTE TEMPO...

Fico a relembrar por muitas vezes e sinto saudades das pessoas que durante anos trabalhavam em nossas casas durante tantos anos. Da amizade, lealdade e respeito que existiam nesta convivência. Seres que dedicavam anos de suas vidas em nossas companhias que cuidavam de nós como, ou melhor, que nossas verdadeiras mães, com carinho e extremado amor. Questiono-me às vezes, que mundo moderno é este onde as relações são tão “liquidas”, sem envolvimento e compromisso, onde disponibilidade e tolerância não existem.
 
Lembro-me da minha babá que me punha na rede a cantarolar músicas jamais esquecidas por mim, a pentear meu enorme cabelo cheios de cachos todas as manhãs, calma e amorosamente, com uma paciência e ternura inesquecíveis. Das guloseimas, biscoitos de nata e maravilha coberto em alvo guardanapo servido com suco de jabuticaba, nas tardes ensolaradas e escaldantes do verão nordestino; quanta delicadeza imprimia aquela mulher em gestos suaves e delicados, que me fez acreditar em um mundo possível de trocas amorosas.
 Acho que estou fora de moda, pois acredito que a perda deixa um vazio, e quando crescemos e nos tornamos adultos são as recordações, as saudades destas pessoas que as tornam encantadas, pois são elas que nos fornecem o colorido das nossas florescências infantis, acalmam e enriquecem nossas vidas. Podermos ir lá sempre que quisermos, neste mundo particular e maravilhoso.  As histórias que vivenciamos enriquecem a vida e quando estamos tristes e angustiados podemos recorrer a estes momentos, porquanto eles têm o poder de modificar o dia a dia, de transformar as nossas angustias e medos em canções e filmes a relembrar. Só assim, os desafios das nossas vidas perdem o poder de nos incomodar tanto, ficam mais amenos e fáceis de suportar. E nossas crianças que moram dentro de nós passarão a possuir um rico material para sobreviver neste mundão de meu Deus, principalmente, aquelas em que o medo da solidão se faz presente.


Socorro do Prado






sábado, 3 de novembro de 2012

CRIANÇA CIRCENSE




Acompanhada fisicamente de bela jovem chamada Miúda, Gata Elétrica animadamente se arrumava para empreender a sua jornada circense. Seu coração batia descompassadamente diante a possibilidade de rever as aventuras até então guardadas na sua imaginação infantil. Durante algumas décadas decorridas ao longo dos dias que se arrastavam por vezes vagarosamente ou quem sabe, velozmente, mantinha numa caixa de laço de fita colorido as fantasias inimagináveis por ela vivida na sua cidade natal, onde percorria os arredores, cercada de uma vegetação seca e tórrida, do sol causticante das tardes e noitinhas dos dias de outono.

O circo forrado de uma lona plástica azul e amarela, já gasta pelo tempo, conversava as impressões primeiras com sua bandeirinha no centro a balançar pelo vento nos finais do dia.  Logo na entrada principal, o circo reluzia brilhante, com luzes de cores variadas, pisca-piscas e palhaços com alto falantes a clamar pelo povo - faziam os anúncios das atrações diárias - mulher no arame, palhaços de perna de pau, rumbeiras espanholas, homens dos pratos, mulher sapo e o mais atraente de tudo, o trapézio - o voo mortal, onde o trapezista se lançava daquele balanço de olhos vendados, na entrega e confiança total ao outro, que o segurava do lado de lá, era uma travessia às escuras! A música acompanhava o movimento, suspense, respiração pausada, lembrava a dos filmes de Alfred Hitchcock. Um erro fatal, sem proteção, estava fadado à tragédia, mas mesmo assim entre risos e inseguranças, realizava-se a concretização real das fantasias.  Um ambiente descrito só nos contos de fadas! Tecidos luminosos, acolchoados, macios, de sedas árabes, em combinações floridas, com músicas alegres e saltitantes, palhaços, vendedores de pipocas, sorvetes e alfenas, numa zoeira de zabumbas, e assim eram os rostos do que ali se encontravam, reluzia o mistério inusitado dos castelos medievais.

Seus pés encontravam-se a um metro acima do chão, volitava diante do inesperado ambiente circense. Sentada em frente ao picadeiro, mantinha seus olhos fixos e a respiração compassada presa a cada cena que se seguia associada as suas experiências anteriores. Rever o palhaço, dar risadas infantis, saborear o algodão doce, libertava-a das suas prisões infantis e possibilitavam o ressurgimento da sua criança presa e amedrontada diante os desafios que a vida se lhe impusera. O trapézio era a própria liberdade, a soltura dos movimentos leves e confiantes que a trapezista imprimia no risco e coragem de voar causava aos expectadores infantis, a possibilidade de avançar, confiar e recriar. As mágicas traziam de volta o mistério, a magia e o inexplicável, a própria impotência diante de fatos da vida.

Ao final do espetáculo segurando seu chinelinho entre as mãos, retornava sonolenta para casa, mas levava o doce sabor entre os lábios e a certeza por dias melhores em seu coração. Ia dormir, quem sabe sonhando poderia reviver os momentos vividos na experiência circense, já que para Gata Elétrica era tão raro estes momentos no seu cotidiano. Mas apesar de tudo conservava a esperança como o motor de impulsionamento da vida, isto a fazia sorrir, imaginar e sonhar! E sua vida ia se permeando de matizes multicoloridas e facetas ornamentadas de desafios desenhadas ao nascer de cada dia, imprimindo-lhe a certeza que a vida vale a pena sempre ser vivida como a maior dádiva que nos é concedida pelo Criador.

Socorro do Prado