Parado ali diante de si, avistava um amontoado de pedaços de ferro jogados descuidadosamente em um canto qualquer do terreiro. Olhou e pensou - porque não construir um espetinho de ferro... Ele será útil, poderá dourar as carnes nos longos churrasco de domingo, num ambiente de alegria, gargalhadas, onde o amor permeia sorrateiramente. Ele poderá ouvir e assistir às conversas, as maledicências corriqueiras, as trocas de afetos, as risadas, discussões e brigas, abraços, gargalhadas e beijos, e fará o seu serviço amorosamente em todos os encontros churrasqueiros, pensava ele. Na sua mente a cena se formava.
Assim foi, o velho ferreiro, começou a laboriosamente confeccionar vários e vários espetinhos. Mas, o primeiro deles, ele o destacou de alguma forma, a sua marca pessoal, no retorço do término. À medida que ia construindo os espetinhos, a sua tristeza ia se aquietando, era preenchida pela sensação de completude. E por ai foi. Após vários e vários dias os espetinhos estavam prontos. Agora era necessário construir uma abóboda onde seriam colocadas as brasas em fogo, com um carvão escolhido de transformação ascendente, onde os alimentos carnes e frutas, os mais diversos tipos, conforme o apetite dos participantes, fossem transformados. Ele pacientemente aceitaria. Os alimentos seriam transformados em deliciosos churrascos tostados, mais assados, mais crus, mais doces, com mel, adocicados, azedos, ácidos, com frutas, nas mais intrigantes e belas criações, alimentando o paladar de todos.
E assim ele o fez. Confeccionou calmante o seu instrumento de vida. Passeou, ofereceu seu serviço, degrau por degrau, um dia após o outro.
O mesmo, ao decorrer do tempo, foi acatado por um grande fabricante que o divulgou e o popularizou através dos tempos, para servir nas churrascadas da vida, nos mais recônditos e variáveis lugares deste planeta. Lá estava o espetinho de ferro cumprindo a sua função, sobre os fortes calores, das chamas em brasas nos corações humanos. Ele calmante se disponibilizava em receber os mais variadas e belas escolhas dos alimentos que se achegavam, inimagináveis combinações. Sorria a cada suspiro, reclamação e gemido, dos que saboreavam as carnes lambuzadas de mel e fel em bocas recheadas de saliva e prazer. Por vezes e vezes também pairava no ar e sentia. Assim foi ele construindo e seguindo a sua designação ao longo da sua vida útil.
Um belo dia de chuva, numa verde campina florida, de trovoada onde os raios desenhavam no ar, já desgastado pelas chamas e calor, partiu-se ao meio, foi colocado novamente num canto qualquer.
Uma criança, brincando de esconde-esconde, que por ali passava, o viu. Pegou em pedaços, olhou, o recolheu e disse: - belo espetinho de ferro, velhinho, desgastado pelo tempo, mas eu o levarei, o derreterei no calor das chamas, o esfriarei e o transformarei em uma bola, sim numa bola de ferro, que percorrerá o campo das brincadeiras infantis, fará parte das alegrias das crianças, onde ele também poderá fazer parte dos sorrisos e da leveza, da maldade e perversidades das mesmas, ao brincar alegremente no campinho aberto e ilimitado das imaginações infantis, por toda e toda a eternidade a fim.
Socorro Prado