terça-feira, 4 de setembro de 2012

RITUAL



À tardinha, a procissão seguia vagorasamente. Todos se mantinham calados e concentrados, conversavam  consigo mesmos numa oração entoada pelo entardecer e pelos sons melancólicos e frios do vento entrecortante. Os pássaros em revoada sacudiam as asas anunciando o recolher. Em fila, um atrás do outro, seguiam calmamente morro acima; carregavam em suas mãos uma lanterninha, das antigas, feita de papel de seda, sustentada em varinhas de madeira, com uma vela no centro, a iluminar o caminho. Lembrava-me as procissões do dia vinte sete, que mensalmente, eu assistia e participava em minha terra natal - era em homenagem a Nossa Senhora das Graças.

Hoje quarenta anos depois, com os cabelos em fios ligeiramente embranquecidos e pele levemente enrugadinha, revivo lenta e deliciosamente as minhas lembranças de infância interiorana. Contudo, ainda conservo um leve sorriso nos lábios entreabertos a solver as recordações e fantasias vividas naquele lugar e a esperança por dias melhores no meu coração. 

Os participantes estavam indiscutivelmente unidos e conectados num só objetivo: superar o desafio da subida ao morro do Cristal em voltas que se arrastam em espiral,  a fim de chegar ao cume, onde se encontrava um belo campanário a entoar as batidas do pôr do sol, mesclados das cores do arco-íris de um dia além ensolarado.  Não será assim a nossa vida?

Após a delonga e arrastada caminhada orante, chega-se finalmente ao final da trilha. Sentados ao redor de um altar em flores, com perfume de jasmim e rosas, sons doces e suaves, acalmavam os ansiosos corações que batiam aceleradamente pelo esforço e a emoção diante da possibilidade de ver MARIA.

 Num dado momento das preces silenciosas,  um jovem rapaz uruguaio levanta e diz: Ai,  está ela! A virgem vestida em trajes longos embranquecidos, de pele escurecida – é a virgem de Guadalupe, que se apresenta aos seus filhos num aspecto de ternura, só presente nas experiências maternais. 

Os presentes com olhos espantados também tentam inutilmente e fidedignamente avistar a virgem, porém só a ele é dado este dom – da fé, da clarividência e do sentido. Os semblantes denotam uma intensa expressão de bondade e amorosidade tão pouco ou nunca visto por mim. Suavidade e leveza permeava o ambiente intensamente. Em coro rezavam a oração do PAI, em agradecimento a presença maternal e protetora da MÃE.


No retorno as suas casas, após advento conservam ainda, nos seus olhos o brilho do ritual. Eu, no pensar refletido diante a tudo que assisti me indago: Realidade ou Fantasia? Não importa! O que vale mesmo é a experiência vivida e a recordação integrada na minha tão carente alma de momentos tão ricos e belos, onde se faz presente a nossa humanidade revivida em irmandade cósmica. 

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