À tardinha, a procissão seguia
vagorasamente. Todos se mantinham calados e concentrados, conversavam consigo mesmos numa oração entoada pelo
entardecer e pelos sons melancólicos e frios do vento entrecortante. Os
pássaros em revoada sacudiam as asas anunciando o recolher. Em fila, um atrás
do outro, seguiam calmamente morro acima; carregavam em suas mãos uma
lanterninha, das antigas, feita de papel de seda, sustentada em varinhas de
madeira, com uma vela no centro, a iluminar o caminho. Lembrava-me as
procissões do dia vinte sete, que mensalmente, eu assistia e participava em
minha terra natal - era em homenagem a Nossa Senhora das Graças.
Hoje quarenta anos depois, com os
cabelos em fios ligeiramente embranquecidos e pele levemente enrugadinha,
revivo lenta e deliciosamente as minhas lembranças de infância interiorana. Contudo,
ainda conservo um leve sorriso nos lábios entreabertos a solver as recordações
e fantasias vividas naquele lugar e a esperança por dias melhores no meu
coração.
Os participantes estavam indiscutivelmente unidos e conectados num só objetivo: superar
o desafio da subida ao morro do Cristal em voltas que se arrastam em espiral, a fim de chegar ao cume, onde se encontrava um
belo campanário a entoar as batidas do pôr do sol, mesclados das cores do
arco-íris de um dia além ensolarado. Não
será assim a nossa vida?
Após a delonga e arrastada caminhada
orante, chega-se finalmente ao final da trilha. Sentados ao redor de um altar
em flores, com perfume de jasmim e rosas, sons doces e suaves, acalmavam os
ansiosos corações que batiam aceleradamente pelo esforço e a emoção diante da
possibilidade de ver MARIA.
Num dado momento das preces silenciosas, um jovem rapaz uruguaio levanta e diz:
Ai, está ela! A virgem vestida em trajes
longos embranquecidos, de pele escurecida – é a virgem de Guadalupe, que se
apresenta aos seus filhos num aspecto de ternura, só presente nas experiências
maternais.
Os presentes com olhos espantados
também tentam inutilmente e fidedignamente avistar a virgem, porém só a ele é
dado este dom – da fé, da clarividência e do sentido. Os semblantes denotam uma
intensa expressão de bondade e amorosidade tão pouco ou nunca visto por mim.
Suavidade e leveza permeava o ambiente intensamente. Em coro rezavam a oração
do PAI, em agradecimento a presença maternal e protetora da MÃE.
No retorno as suas casas, após advento conservam ainda, nos seus olhos o brilho do ritual. Eu, no pensar refletido diante a tudo que assisti me indago: Realidade ou Fantasia? Não importa! O que vale mesmo é a experiência vivida e a recordação integrada na minha tão carente alma de momentos tão ricos e belos, onde se faz presente a nossa humanidade revivida em irmandade cósmica.
GOSTEI MUITÍSSIMO ! E p primeiro paragrafo está belíssimo!!! :) :)
ResponderExcluirObrigadão! Beijos.
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