Crisol
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
domingo, 6 de abril de 2014
RESPOSTA
Cara Amiga,
Em sua última carta dizia-me que
tinha se relacionado com um rapaz quando tinha 31 anos, que foi sua primeira
experiência amorosa e sexual, e que até hoje aos 63 anos, ainda o amava e
perguntava-me: é possível tamanha paixão transformar-se em amor e guardar por
tanto tempo tamanho vigor?
Afirmo-lhe que sim, desde que esta
relação fosse compartilhada a dois, que vocês tivessem o mesmo grau de
investimento nesse relacionamento e que juntos levassem uma vida ativa e nova,
aventurosa e interessante, que descobrissem coisas diferentes e que lutassem juntos
diante todas as dificuldades exteriores – ombro a ombro por um projeto comum.
Viveriam os obstáculos e criariam solidariedade numa ação comum, onde juntos
quereriam aquilo que interessava a cada um e a ambos. É como, elaborar novos
itinerários, pois repetir passos idênticos, experiências já provadas,
dificuldades conhecidas, já imaginadas e vividas seria totalmente destrutivo a
paixão, seria saborear um alimento sem tempero. Logo, ter novas experiências
juntos é a chave do enamoramento, uma eterna viagem de núpcias.
Sabe amiga, estar enamorada é uma
exploração possível, a pessoa pela qual nos envolvemos constitui para nós uma
modalidade com que modificamos radicalmente a nossa experiência cotidiana.
Enamorados, nos sentimos mais vivos, capazes de construir coisas novas,
fantasiosas, faz-nos entrever uma vida rica, mais alegre e fascinante, cheia de
emoções intensas, de coisas maravilhosas, de descobertas constantes e até mesmo
de riscos. Afinal Clarice Lispector em sua crônica chamada “Mude” já afirmava:
“repito por pura alegria de viver: que a salvação é pelo risco, sem o qual a
vida não vale a pena!”.
Contudo, o nosso cotidiano surge
pouco a pouco como uma renúncia a tudo isso, para transcendê-lo é necessário à
reafirmação do imaginário, da fantasia sobre a realidade vivenciada. Mas não
esqueça é uma viagem em conjunto, que requer que a iniciativa seja de ambas as
partes, pois exigem de nós o enfrentamento de duras penas, descobertas e
confrontos, numa continua reinterpretação do mundo e reexame do passado. Há
quem encare como luta, outros como poesia, ou simplesmente como a capacidade de
se maravilharem consigo mesmos, procurando sem cessar, não o que dá segurança
ou o que já se conhece, mas o desafio, a criação e a beleza. Todavia, a viagem
exterior é apenas a ocasião, o instrumento para uma longa e continua viagem
interior, assim como, a viagem ao interior é um estímulo para a viagem
exterior.
A vida, mui amiga querida, cria o
encontro, os projetos, as provas, as ocasiões. Precisamos nos mover nessa
correnteza com uma pequena canoa em meio à tempestade, embora não sejamos nós
que fazemos as ondas e nem a modificamos. Podemos atravessar o mar, com alegria
ou fadiga, ou com ambas, e chegar à margem, ou também não chegar. Quem sabe,
mais do que uma arte do amor ou do apaixonamento, seja necessário sabermos que
se trata de fazermos escolhas, cada vez mais e mais conscientes da nossa
humanidade, o que nos torna humildes e menos onipotentes ante a vida.
Beijos, saudades,
Socorro do Prado
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Miragem
Vinha eu, fazendo meu percurso diário pelas ruas da
velha cidade de Barra de Pojuca. Caminhava lentamente, pois a idade já não me
permitia passos tão acelerados, e carregava no peito toda a tristeza de um
velho solitário. Digo “solitário” porque, se fosse sozinho, estaria bem
acompanhado.
Naquele, dia principalmente, meus pés arrastavam-se
pelo chão vagarosamente, e o peso do meu corpo redobrava... O sol estava
causticante, mas a brisa parecia me acariciar. Em frente à praça da igreja, a principal
e mais movimentada daquele lugar, avistei uma menina com vestes rasgadas e
cabelos em desalinho, que sentada na esquina do beco, embalava sua boneca e
cantava uma cantiga de ninar que mais parecia um choro que saia das profundezes
de sua alma.
Aproximei-me, calmamente, e disse-lhe:
- Está sozinha?
Ela nada respondia. Indaguei novamente:
- Você está perdida? Onde estão seus pais?
E nada. Continuava a cantar, fixando o olhar na
encardida boneca de pano. Permanecia distante e impassível. Não resisti. Veio à
vontade de tocá-la, envolvê-la em meus braços. Por um instante, hesitei,
sucumbi ao medo que tomara meu corpo. Por fim, decidi sentar-me junto a ela.
Com muita dificuldade, abaixei-me na calçada para vê-la mais de perto. Havia
sumido!
Socorro do Prado
domingo, 18 de novembro de 2012
SAUDADES DESTE TEMPO...
Fico a relembrar
por muitas vezes e sinto saudades das pessoas que durante anos trabalhavam em
nossas casas durante tantos anos. Da amizade, lealdade e respeito que existiam
nesta convivência. Seres que dedicavam anos de suas vidas em nossas companhias
que cuidavam de nós como, ou melhor, que nossas verdadeiras mães, com carinho e
extremado amor. Questiono-me às vezes, que mundo moderno é este onde as
relações são tão “liquidas”, sem envolvimento e compromisso, onde disponibilidade
e tolerância não existem.
Socorro do Prado
Lembro-me da
minha babá que me punha na rede a cantarolar músicas jamais esquecidas por mim,
a pentear meu enorme cabelo cheios de cachos todas as manhãs, calma e
amorosamente, com uma paciência e ternura inesquecíveis. Das guloseimas,
biscoitos de nata e maravilha coberto em alvo guardanapo servido com suco de
jabuticaba, nas tardes ensolaradas e escaldantes do verão nordestino; quanta delicadeza
imprimia aquela mulher em gestos suaves e delicados, que me fez acreditar em um
mundo possível de trocas amorosas.
Acho que estou fora de moda, pois acredito que
a perda deixa um vazio, e quando crescemos e nos tornamos adultos são as
recordações, as saudades destas pessoas que as tornam encantadas, pois são elas
que nos fornecem o colorido das nossas florescências infantis, acalmam e
enriquecem nossas vidas. Podermos ir lá sempre que quisermos, neste mundo
particular e maravilhoso. As histórias
que vivenciamos enriquecem a vida e quando estamos tristes e angustiados podemos
recorrer a estes momentos, porquanto eles têm o poder de modificar o dia a dia,
de transformar as nossas angustias e medos em canções e filmes a relembrar. Só
assim, os desafios das nossas vidas perdem o poder de nos incomodar tanto,
ficam mais amenos e fáceis de suportar. E nossas crianças que moram dentro de
nós passarão a possuir um rico material para sobreviver neste mundão de meu Deus,
principalmente, aquelas em que o medo da solidão se faz presente.
Socorro do Prado
sábado, 3 de novembro de 2012
CRIANÇA CIRCENSE
Acompanhada fisicamente de bela jovem chamada
Miúda, Gata Elétrica animadamente se arrumava para empreender a sua jornada
circense. Seu coração batia descompassadamente diante a possibilidade de rever
as aventuras até então guardadas na sua imaginação infantil. Durante algumas
décadas decorridas ao longo dos dias que se arrastavam por vezes vagarosamente
ou quem sabe, velozmente, mantinha numa caixa de laço de fita colorido as
fantasias inimagináveis por ela vivida na sua cidade natal, onde percorria os
arredores, cercada de uma vegetação seca e tórrida, do sol causticante das tardes
e noitinhas dos dias de outono.
O circo forrado de uma lona plástica azul e
amarela, já gasta pelo tempo, conversava as impressões primeiras com sua
bandeirinha no centro a balançar pelo vento nos finais do dia. Logo na entrada principal, o circo reluzia
brilhante, com luzes de cores variadas, pisca-piscas e palhaços com alto
falantes a clamar pelo povo - faziam os anúncios das atrações diárias - mulher
no arame, palhaços de perna de pau, rumbeiras espanholas, homens dos pratos, mulher
sapo e o mais atraente de tudo, o trapézio - o voo mortal, onde o trapezista se
lançava daquele balanço de olhos vendados, na entrega e confiança total ao
outro, que o segurava do lado de lá, era uma travessia às escuras! A música
acompanhava o movimento, suspense, respiração pausada, lembrava a dos filmes de
Alfred Hitchcock. Um erro fatal, sem proteção, estava fadado à tragédia, mas
mesmo assim entre risos e inseguranças, realizava-se a concretização real das
fantasias. Um ambiente descrito só nos
contos de fadas! Tecidos luminosos, acolchoados, macios, de sedas árabes, em
combinações floridas, com músicas alegres e saltitantes, palhaços, vendedores
de pipocas, sorvetes e alfenas, numa zoeira de zabumbas, e assim eram os rostos
do que ali se encontravam, reluzia o mistério inusitado dos castelos medievais.
Seus pés encontravam-se a um metro acima do
chão, volitava diante do inesperado ambiente circense. Sentada em frente ao
picadeiro, mantinha seus olhos fixos e a respiração compassada presa a cada
cena que se seguia associada as suas experiências anteriores. Rever o palhaço,
dar risadas infantis, saborear o algodão doce, libertava-a das suas prisões
infantis e possibilitavam o ressurgimento da sua criança presa e amedrontada
diante os desafios que a vida se lhe impusera. O trapézio era a própria
liberdade, a soltura dos movimentos leves e confiantes que a trapezista
imprimia no risco e coragem de voar causava aos expectadores infantis, a
possibilidade de avançar, confiar e recriar. As mágicas traziam de volta o
mistério, a magia e o inexplicável, a própria impotência diante de fatos da
vida.
Ao final do espetáculo segurando seu
chinelinho entre as mãos, retornava sonolenta para casa, mas levava o doce sabor
entre os lábios e a certeza por dias melhores em seu coração. Ia dormir, quem
sabe sonhando poderia reviver os momentos vividos na experiência circense, já
que para Gata Elétrica era tão raro estes momentos no seu cotidiano. Mas apesar
de tudo conservava a esperança como o motor de impulsionamento da vida, isto a
fazia sorrir, imaginar e sonhar! E sua vida ia se permeando de matizes
multicoloridas e facetas ornamentadas de desafios desenhadas ao nascer de cada
dia, imprimindo-lhe a certeza que a vida vale a pena sempre ser vivida como a
maior dádiva que nos é concedida pelo Criador.
Socorro do Prado
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
E A MORTE...
Em
virtude de ser um assunto muito pouco abordado nas academias, evitado nas
conversas informais e ser tão importante para a reflexão do ser humano - quem
sabe, porque é ainda muito velado por todos, pois o medo da morte nada mais é
do que o medo do novo, do desconhecido e do inesperado, em última instância o
próprio medo da vida, resolvi refletir um pouco sobre ele.
A leitura das obras
sobre a morte tratada em Sobre o Viver e o Morrer de
Deborah Duda, A morte à luz da Psicologia de Aniela Jaffé, Memórias
Sonhos e Reflexões de Jung , Sobre a
Morte e o Morre de Elisabeth Kübler-Ross, O Problema do ser, do destino e
da dor
de Leon Denis e A morte sem medo e sem culpa de Trigueirinho,
nos propicia um novo sentir e compreender sobre este tema tão temido por
nós. Revoluciona a nossa mente
consciente nos privilegiando com ensinamentos e conclusões belíssimas, que nos
conduz a um patamar de novos entendimentos diante da vida.
É bela e consoladora
a certeza da infinitude da vida; e ela pode ser vivida de uma forma mais
otimista e confiante. Esta é, pois, uma reforma de um arcabouço teórico
maleável e incognoscível. A consciência mais ampliada nos colocará em lugar de
um grande rio, aberto às grandes e pequenas correntezas em busca de um caminho
de novos campos de saberes e descobertas.
Quando
pudermos, como observadores, fazer uma analogia, admirar o crepúsculo, onde o
anoitecer nos acomete, nos toma de uma infinita tristeza, pensamos no novo dia
que nascerá em breve; nos consolamos com o pensamento das florescências
futuras, assim deveria ser com o medo da morte, um ato que de fato não é o
fim.
Logo,
cada uma das nossas existências será permeada de experiências, que irão
desaparecer ao longo do curso, para dar lugar a novas vidas no Espaço, em
mundos mais perfeitos que os vividos anteriormente. O morrer torna-se, pois, a
porta de entrada de um mundo mais rico de impressões e sensações.
Por
isso, precisamos encarar a morte face a face e nos prepararmos para este
acontecimento natural e necessário para o curso de nossas vidas, pois ela
representa um papel importante na nossa evolução.
Este
pensamento contribui para que tenhamos confiança em outra vida, e isso nos
estimulará aos nossos esforços, para tornar nossas atitudes mais fecundas.
Dissipa o nosso medo pelo mundo desconhecido e retira de nós a cruel incerteza
e o temor que a ela atribuem.
Mesmo
presa eu me mexo, pois imagino que os movimentos acabam por me libertar
SOCORRO DO PRADO
terça-feira, 4 de setembro de 2012
RITUAL
À tardinha, a procissão seguia
vagorasamente. Todos se mantinham calados e concentrados, conversavam consigo mesmos numa oração entoada pelo
entardecer e pelos sons melancólicos e frios do vento entrecortante. Os
pássaros em revoada sacudiam as asas anunciando o recolher. Em fila, um atrás
do outro, seguiam calmamente morro acima; carregavam em suas mãos uma
lanterninha, das antigas, feita de papel de seda, sustentada em varinhas de
madeira, com uma vela no centro, a iluminar o caminho. Lembrava-me as
procissões do dia vinte sete, que mensalmente, eu assistia e participava em
minha terra natal - era em homenagem a Nossa Senhora das Graças.
Hoje quarenta anos depois, com os
cabelos em fios ligeiramente embranquecidos e pele levemente enrugadinha,
revivo lenta e deliciosamente as minhas lembranças de infância interiorana. Contudo,
ainda conservo um leve sorriso nos lábios entreabertos a solver as recordações
e fantasias vividas naquele lugar e a esperança por dias melhores no meu
coração.
Os participantes estavam indiscutivelmente unidos e conectados num só objetivo: superar
o desafio da subida ao morro do Cristal em voltas que se arrastam em espiral, a fim de chegar ao cume, onde se encontrava um
belo campanário a entoar as batidas do pôr do sol, mesclados das cores do
arco-íris de um dia além ensolarado. Não
será assim a nossa vida?
Após a delonga e arrastada caminhada
orante, chega-se finalmente ao final da trilha. Sentados ao redor de um altar
em flores, com perfume de jasmim e rosas, sons doces e suaves, acalmavam os
ansiosos corações que batiam aceleradamente pelo esforço e a emoção diante da
possibilidade de ver MARIA.
Num dado momento das preces silenciosas, um jovem rapaz uruguaio levanta e diz:
Ai, está ela! A virgem vestida em trajes
longos embranquecidos, de pele escurecida – é a virgem de Guadalupe, que se
apresenta aos seus filhos num aspecto de ternura, só presente nas experiências
maternais.
Os presentes com olhos espantados
também tentam inutilmente e fidedignamente avistar a virgem, porém só a ele é
dado este dom – da fé, da clarividência e do sentido. Os semblantes denotam uma
intensa expressão de bondade e amorosidade tão pouco ou nunca visto por mim.
Suavidade e leveza permeava o ambiente intensamente. Em coro rezavam a oração
do PAI, em agradecimento a presença maternal e protetora da MÃE.
No retorno as suas casas, após advento conservam ainda, nos seus olhos o brilho do ritual. Eu, no pensar refletido diante a tudo que assisti me indago: Realidade ou Fantasia? Não importa! O que vale mesmo é a experiência vivida e a recordação integrada na minha tão carente alma de momentos tão ricos e belos, onde se faz presente a nossa humanidade revivida em irmandade cósmica.
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